A essa altura, todo mundo deve estar a par dos incidentes de violência e racismo ocorridos em Sydney nos últimos dias (quem não viu pode ver na Folha de São Paulo aqui, aqui e aqui). Até onde sei, a história começou porque uma gang de (supostos) imigrantes libaneses agrediu dois salva-vidas em uma praia de Sydney (Cronulla Beach; fica a uns 50km do centro da cidade); na semana seguinte um grupo grande de australianos se reuniu no local para protestar contra a "invasão" de libaneses, chineses e negros no "seu" país. Levavam bandeiras australianas e cartazes com slogans racistas. Com o calor e o consumo liberal de cerveja a situação começou a sair de controle, até chegar ao ponto em que qualquer pessoa de aparência não européia que passasse na área corria o risco sério de ser agredida fisicamente (como várias, de fato, foram).

A confusão acabou, naquele dia, com algumas pessoas feridas (quase todas vindas do Oriente Médio), muitos danos a carros e estabelecimentos comerciais e vários presos. Na noite seguinte, no entanto, os libaneses decidiram contra-atacar e agiram mais ou menos da mesma forma indiscriminada, agredindo pessoas de aparência européia, jogando pedras em casas e danificando dezenas de carros estacionados na rua. De novo, vários feridos e vários presos de ambos os lados.

Nas noites seguintes (terça e quarta) a grande presença policial e algumas atitudes drásticas (como impedir a entrada de pessoas de origem árabe/libanesa nas áreas problemáticas) parece ter sido o suficiente para controlar a crise.

No Brasil sempre ressaltamos o sucesso do processo imigratório. Mas estamos falando de um longo período, anos e anos de integração. Como o Brasil, a Austrália também se orgulha desse êxito, mas o país tem recebido muitos imigrantes e exilados nos últimos anos - até um antigo guarda de Saddam Hussein veio parar aqui. Ou seja, a leva de estrangeiros não estabilizou como no Brasil. Eu mesmo escrevi um pouco sobre esse processo há algum tempo.

Além disso, a Austrália, por muito tempo, limitou a entrada de imigrantes apenas a europeus brancos. Não eram aceitas pessoas de outras origens ou etnias, e mesmo europeus de áreas menos "nobres" (como o leste ou a Grécia) não eram bem quistos (exceções eram feitas para pessoas de outros países da comunidade britânica, como a Índia). A situação começou a mudar em 1950 e só encerrou em definitivo em meados dos anos 70. Ou seja, o grande fluxo de imigrantes não-europeus é recente: a maior parte da população australiana é de ascendência européia, e apenas agora está tendo de conviver com comunidades de outras origens. Essa mistura recente e o grande número de imigrantes com feições "diferentes" têm grande culpa na tensão como a existente em Sydney (lembro que o país tem acolhido uma quantidade crescente de africanos, até pouco tempo raros por aqui).

Ainda assim, não dá para usar esses eventos como uma indicação de que a Austrália seja um país racista, até porque o número de pessoas envolvidas é relativamente pequeno (e menos ainda tomaram parte na violência); a maior parte dos envolvidos sequer eram moradores da área do conflito. Mas a história recente do país faz com que haja uma certa tensão que sempre corre o risco de gerar eventos como os de Sydney.

O interessante é que é uma situação na qual é impossível tomar partido de algum dos lados envolvidos: todo mundo está errado. Aquela área de Sydney tem um problema crônico com gangs de libaneses (imigrantes e filhos de imigrantes) que foi o estopim da crise; esse problema tem que ser combatido, e os membros das gangs merecem ser perseguidos e rejeitados pelos moradores, mas porque são criminosos; não porque são libaneses. Similarmente, os racistas que incendiaram os protestos de domingo passado merecem ir presos e, similarmente, serem rejeitados por australianos e imigrantes, mas por serem racistas violentos; não por serem australianos brancos. Quando alguns australianos atacam libaneses por serem libaneses, e alguns desses revidam contra australianos por serem australianos, todo mundo está errado e a polícia (e a sociedade como um todo) tem que agir com a mesma força contra os dois lados.