...pelo pecador. Isso era o que costumava dizer uma professora minha, nos tempos de criança, quando ameaçava deixar a turma toda sem recreio porque um troglodita mirim havia, por exemplo, jogado futebol com a cestinha de lixo.

Sempre achei essa expressão um absurdo. Não lembro de alguma vez em que a professora tenha realmente cumprido a ameaça, mas isso não vem ao caso: a própria existência da ameaça é um absurdo. Afinal, se o justo (no sentido de "correto") pode ser punido tanto quanto o infrator, qual é o incentivo para ser correto? É possível até argumentar que o infrator é menos punido do que os outros alunos; afinal, o pequeno australopiteco de uniforme teve seu divertimento chutando o lixo, para ele não faz mais diferença ficar sem recreio. Eu, que queria ir à biblioteca, é que sofro. Por exemplo.

E, também, me pergunto qual o objetivo da professora com uma punição generalizada. Se ela não soubesse quem era o infrator, o gesto poderia ser visto como uma tentativa de fazer com que alguém o delatasse. Mas é óbvio que isso não iria funcionar: o nosso Moe tem a capacidade de aplicar uma punição muito pior, e muito mais longa, do que um recreio perdido. Ele não é restrito pelas leis que controlam o comportamento dos professores, nem tem (ou sente) algum dever de zelar pelo bem estar dos seus colegas mais evoluídos.

E se ela soubesse quem era o infrator (como costumeiramente era o caso), a situação seria ainda mais imperdoável. A única possível explicação é que ela esperaria que os inocentes sendo punidos se sentiriam compelidos a evitar futuros incidentes causados pelo menino das cavernas, o que é claramente impossível (ver parágrafo acima).

Na verdade, uma punição no estilo "justo pelo pecador" é sintoma de preguiça. É mais fácil aplicar uma punição que engloba todo mundo, com a certeza de que quem causou o problema entra junto (mesmo que os inocentes sofram mais do que os culpados), do que se esforçar para punir apenas quem merece ou, melhor ainda, evitar que o problema aconteça. Mas a professora, depois de anos lidando com as mesmas situações, se cansa e vai pelo caminho mais fácil. Compreensível, até. Exceto para o aluno que não fez nada e fica ali na sala de aula ouvindo o resto da escola se divertir.

Tudo isso para falar dos eventos do Gre-Nal e da idéia de punir o Grêmio pelos atos da torcida. Falou-se, logo após o jogo, até em punições "exemplares", como por exemplo suspender o time do campeonato. O resultado? Punir-se-ia quem não teve nada a ver com a história.

Certo, presumivelmente uma punição ao time afeta também os torcedores que causaram o problema. Afinal, um bom gremista não quer ver o time perdendo mando de campo, ou pontos, ou dinheiro (se tiver que jogar sem torcida). Mas a questão é que existem muito mais gremistas que também são punidos "no embalo" e que nunca na vida cogitaram colocar fogo em um banheiro químico (ou, mesmo, nunca cogitaram entrar no Beira Rio). Também são punidos junto os jogadores, os funcionários (um time sem dinheiro não paga salários), os concessionários do Estádio Olímpico e assim por diante. Nenhum dos quais teve nada a ver com o evento, nem tem como evitar o ocorrido ou auxiliar na punição das pessoas corretas. Como os alunos lá de cima, o seu único erro foi fazer parte do mesmo grupo que alguns trogloditas.

Mais ainda: se for comum que os atos da torcida gerem punições sérias para o seu time, isso passa a ser interessante para os membros da torcida oposta. Afinal, quem garante que as pessoas com camiseta do Grêmio tentando derrubar as cercas do Beira Rio eram, realmente, gremistas? Poderiam ser colorados fazendo o papel de agent provocateur para tentar gerar uma punição para o rival. Não, não acho que foi isso que aconteceu nesse caso em particular. Mas não demoraria para alguém perceber as possibilidades. Se o ganho possível é a desclassificação ou rebaixamento do rival, vale a pena.

Sim, eu sei que o hábito de punir o time existe há tempos e não é coisa só do Brasil. Torcedor invade o campo? Pune-se o time; o torcedor fica na boa. Torcedor xinga adversário, derruba cerca, atira pedra no juiz? Pune-se o time. E assim por diante. Não é porque é algo "comum" que é algo certo. Incidentalmente, eventos muito mais graves já ocorreram sem se cogitar "punições exemplares" para o time, para usar a expressão da CBF. Já mataram torcedores em estádios ou na saída destes, por exemplo, sem gerar todo esse barulho.

Lógico que o que aconteceu no estádio merece punição. As pessoas que colocaram fogo nos banheiros, jogaram pedras nos bombeiros, tentaram derrubar cercas ou, de maneira geral, causaram prejuízos ou agrediram alguém merecem ser punidas. E não só "futebolisticamente"; afinal, estádios não são território da FIFA (mas bem que a FIFA gostaria...), as leis do país continuam valendo. Já se vê o MP e a polícia se encaminhando para isso, o que é bom.

Mas há que haver uma punição esportiva também, como a usada contra hooligans na Europa. Basicamente, quem faz uma coisa dessas nunca mais pode entrar em um estádio de futebol. Nem no do São José. Nem para ver a chegada do Papai Noel. Aliás, não deveria nem poder assinar o pay-per-view ou ir a botecos que estivessem exibindo as partidas. Sim, eu sei que hoje em dia isso é impraticável; a segurança nos estádios, dentro e na entrada, é risível. Mas essa é a solução certa. Enquanto se procurar a solução preguiçosa, a mais fácil, o problema vai continuar e piorar (e, sim, jogos com uma torcida só também são uma solução preguiçosa).