A Austrália tem uns vizinhos peculiares. O sudeste asiático é muito perto daqui, e inclui Indonésia, Tailândia, Vietnã, Burma... vários lugares ali são destinos turísticos bastante procurados e parecem ser muito bonitos, mesmo levando em conta o risco de tsunamis e terremotos. Mas nós não temos a intenção de ir para lá tão cedo, por causa de alguns motivos "práticos".

A vizinhança instável sempre foi uma preocupação dos governos australianos. A Austrália (assim como a Nova Zelândia), de todos os pontos de vista práticos, é um país europeu encravado no lugar errado do planeta; há muito menos similaridade cultural com os países próximos do que com a Inglaterra, e os outros países sabem disso. É só recentemente que a Austrália começou a ser convidada para as cúpulas asiáticas, e até hoje ela não assinou o tratado de não-agressão mútua da região.

Indonésia e Tailândia, em particular, tem governos não muito democráticos, leis bastante severas e uma justiça de funcionamento questionável. Uma coisa que ambos têm em comum é uma intolerância absoluta com drogas: na Indonésia, posse ou tráfico de drogas pode levar à pena de morte por fuzilamento para o acusado. E a Indonésia é onde fica Bali.

Muitos, muitos australianos passam férias em Bali. Quando houve aquele atentado a bomba lá, dois anos e meio atrás, quase metade das vítimas eram australianas. E, como vizinho próximo mais "forte", a Austrália foi o país que mais mandou recursos para a Indonésia após o tsunami de dezembro passado.

No momento, Bali aparece nos noticiários quase todos os dias por causa de uma turista em especial: Schapelle Corby, uma australiana de 27 anos que foi presa em outubro ao chegar em Bali com mais de 4 kg de maconha na sua bagagem. Ela alega que as drogas não são dela, e acredita-se que ela seja vítima de um esquema envolvendo carregadores de bagagem nos aeroportos de Sydney e Brisbane, que usariam as malas de passageiros para transportar drogas entre as duas cidades. No caso dela, a maconha teria sido colocada em Sydney mas, por engano, não teria sido removida em Brisbane; foi direto para Bali, onde foi encontrada pela polícia indonésia. Um australiano que está preso aqui por tráfico de drogas foi a Bali para testemunhar que esse "transporte clandestino" acontecia mesmo, mas não se sabe se os juízes levaram isso a sério (na Indonésia não há júri, a decisão é feita por um painel de três juízes). No momento, o julgamento acabou e aguarda-se a sentença (a acusação pediu prisão perpétua).

Lógico que não há como saber se as drogas eram dela mesmo ou não. Um detalhe (publicado nos jornais) é que maconha custa muito mais caro em Sydney do que em Bali, então não faz o menor sentido traficar naquela direção. Não se sabe, também, quão "confiável" é a justiça indonésia; é possível que ela seja condenada independentemente das provas contra ou a favor dela, para "servir de exemplo". Prevendo isso, o governo australiano está tentando negociar para que ela possa cumprir a sentença na Austrália (pouco provável; alguns anos atrás uma australiana presa com drogas na Indonésia foi solta sob fiança aguardando julgamento e nunca mais apareceu, exceto por um cartão de Natal que ela mandou para a Polícia Federal Australiana alguns anos depois).

E, poucas semanas atrás, mais nove australianos foram presos em Bali (aparecem nos noticiários como "the Bali nine"), dessa vez saindo de lá com heroína amarrada no corpo. Ou seja, esses não podem alegar que não era deles, e a promotoria já disse que vai pedir pena de morte. O que eles alegam é que eles foram forçados a tentar trazer as drogas por traficantes locais e australianos que estavam ameaçando matar as suas famílias. O "contato" deles foi morto em um tiroteio com a polícia alguns dias depois.

O caso Schapelle Corby ganhou uma certa ajuda não-intencional graças a um evento quase surreal no aeroporto de Sydney. Um passageiro embarcou em um vôo doméstico da Qantas com, na sua bagagem despachada, uma fantasia de camelo (daquelas grandes, para duas pessoas). Já dentro do avião, aguardando a partida, ele viu um dos carregadores de bagagem na pista, ao lado do avião, usando a cabeça da sua fantasia. O passageiro avisou a aeromoça, que avisou a segurança do aeroporto; o carregador foi preso (e depois demitido), o camelo foi devolvido, e foi demonstrado claramente que os carregadores às vezes mexem no que não devem.

Resumindo, Bali — e o resto do sudeste asiático — é um lugar um pouco arriscado para se visitar. Se a gente for, vai ser sem bagagem despachada, e não vamos sair de perto das nossas mochilas!

[Atualização, 27/05/2005: o veredito saiu hoje; Corby foi condenada a 20 anos de prisão e uma multa de A$14.000, e as drogas e todos os seus pertences devem ser queimados (convenientemente eliminando qualquer chance de reavaliar evidências); os juízes do caso já trabalharam em mais de 500 julgamentos nos últimos 15 anos, e nunca inocentaram um acusado]