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Ainda dia 12 - 18.12.1999 - Tel Aviv / Jerusalém

Bom, seguindo de onde paramos na última vez... saindo do Muro das Lamentações, fomos seguir para outro lugar com um nome igualmente alegre, a Via Dolorosa (com o nome assim mesmo, em latim parecendo português). Esse é o caminho que Jesus fez com a cruz até o local da crucificação, também conhecido como Via Crucis (pelo menos eu aprendi com esse nome).

As "estações" do caminho são marcadas nas paredes; estes são os pontos em que ocorreram eventos importantes, e que normalmente estão indicados nas igrejas com quadros mostrando o que ocorreu. Na rua, estavam marcados apenas com um discreto número romano em alguma parede, nem sempre muito fácil de encontrar no meio de tudo que tem por lá. Seguimos o caminho todo da estação 3 à 14.

No caminho aprendemos um pouco sobre os três principais tipos de templos existentes na cidade. As mesquitas, da população islâmica (predominantemente árabe) são as mais espalhafatosas, sempre com uma torre alta no topo da qual existem alto-falantes. No horário das orações, elas são gritadas pelos alto-falantes para serem acompanhadas pelos fiéis. São cinco orações diárias obrigatórias, uma ao acordar, outra no início do trabalho, outra ao meio-dia, outra no final da tarde e outra ao se recolher (posso ter confundido algum horário, mas é mais ou menos isto); não ficou muito claro, mas acho que a torre da mesquita só canta as orações que acontecem em horários razoáveis.

As sinagogas são prédios bem mais simples e discretos, tanto que passam meio despercebidos; a religião deles define que as sinagogas devem ser simples. E elas devem ser construídas viradas para o Muro das Lamentações, o que na maior parte delas quer dizer "para o leste" mas em Jerusalém é um pouco mais complexo.

E as igrejas tendem a ser como se espera que seja uma igreja, exceto pelo fato de que quase nenhuma é católica; a maioria das igrejas ali são ortodoxas, gregas ou russas, com algumas protestantes e eventuais católicas em alguns lugares (só vi uma, em Belém).

A Via Dolorosa acaba justamente em uma igreja ortodoxa grega, a Igreja do Santo Sepulcro. Ela foi construída, presumivelmente, no local onde ocorreu a crucificação, no Monte Calvário, e dentro dela se encontram o local da cruz e o local do sepultamento de Cristo. Existe uma área dela onde se pode ver o chão natural, e ali tem um buraco retangular na rocha que *dizem* que é onde foi colocada a cruz. Pessoalmente, se eu fosse um soldado romano, eu escavaria num lugar mais fácil, mas é o que dizem. Seguindo em relíquias, também tem a mesa de pedra onde Jesus teria sido colocado ao ser descido da cruz (no que teria se seguido a tradição judaica) e uma pequena capela que é uma réplica da tumba onde ele foi sepultado. Sim, eu sempre ouvi dizer que tinha sido numa caverna, mas a história lá é que um rico comerciante local cedeu uma tumba que ele tinha construído para que Jesus fosse colocado nela. Dentro da capela tem um pedaço de pedra que é, como devem ter imaginado, um pedaço da rocha que fechou a tumba (aquela que tinha sido movida quando as pessoas chegaram, dias depois), e um pedaço do sárcofago. Não entrei para ver.

Também tinha *muitas* pessoas, porque ali é um dos lugares mais procurados pelos visitantes cristãos, apesar da legitimidade extremamente discutível do que está lá dentro. Pode-se argumentar, claro, que em uma religião o simbolismo está muitas vezes acima dos fatos, e acredito que esta é uma dessas vezes.

Falando em superlotação, fiquei sabendo que havia uma grande preocupação das autoridades com as festas de final de ano, que iam atrair muitos cristãos para Jerusalém por ser o início de um ano santo, justamente no mesmo dia de um feriado religioso importante para os muçulmanos, que é a última sexta-feira do mês santo do Ramadã, o qual ia atrair muitos árabes para Jerusalém. Estou escrevendo isto bem depois do final do ano e, que eu saiba, nada de muito grave aconteceu.

Depois de sair dali retomamos a caminhada pelas labirínticas e estreitas ruelas da cidade, e vimos uma ocorrência local típica... dois comerciantes árabes brigando. Em segundos se formou um bolo de gente ao redor, em um pouco mais de tempo os brigões tinham sido apartados, e em menos de um minuto tinha polícia no lugar. *Muito* eficiente. Depois eu li que boa parte da Cidade Antiga é policiada conjuntamente pela polícia israelense (que tem autoridade sobre o local) e pela palestina (que não manda nada, mas em quem os comerciantes confiam). Essa última não pode andar armada nem uniformizada, mas "todo mundo" sabe quem é e respeita.

Acabamos saindo no lado judeu da Cidade Antiga, que é bem diferente do resto. Ali é um bairro rico, só quem consegue morar ali é quem tem muito dinheiro. As ruas são largas e arborizadas, as lojas são chiques e tem até bancos! E o caixa eletrônico não funciona durante o sabbath, ele só tinha um aviso no monitor informando isto. Vimos crianças brincando nas ruas, todas muito bem vestidas, e os meninos separados das meninas. Essa é a norma da religião, depois dos três anos de idade as crianças só podem brincar (e estudar etc.) com outras crianças do mesmo sexo. Os meninos jogavam futebol, as meninas corriam de um lado para o outro, e os dois grupos basicamente ignoravam um ao outro.

Depois disto voltamos para a van e nos dirigimos para Belém, onde íamos almoçar. Belém fica a poucos quilômetros do centro de Jerusalém, e não se notaria uma divisão clara entre as cidades se não fosse o fato de Belém estar sob controle palestino. Portanto, haviam "postos de fronteira" na estrada na divisa, mas novamente passamos sem problemas.

Belém é uma cidade nitidamente árabe, se vê poucas placas ou letreiros em hebraico, e muitas pessoas usam roupas árabes. Por ser uma cidade importante para o cristianismo, uma parcela razoável da população é cristã (mesmo sendo árabe), e ali foi o único lugar onde vi decoração de Natal nas ruas (mas muito discreta). Logo na entrada da cidade há uma construção que parece uma fortaleza, muito bem guardada por soldados israelenses pesadamente armados (o que é estranho, porque soldados israelenses não deveriam estar em uma área palestina). Ali é o túmulo de Rachel. Quem é Rachel ? É uma personagem bíblica, que foi esposa de alguém importante, mas juro que não lembro da história. O importante aqui é que esse é um lugar sagrado para os judeus, o que é o motivo de estar sob cuidados do exército israelense mesmo sendo na área palestina.

Almoçamos em um restaurante bastante grande, com uma comida típicamente árabe muito boa. Comemos falafel e uns espetinhos com galinha e vegetais ("shish kebob", se não me engano). O cafezinho servido no final foi descrito como "café turco", e tinha algum aditivo que dava um gosto muito estranho a ele. Não descobri o que era, mas não era nada alcoólico.

Depois do almoço íamos à Igreja da Natividade, mas para isto precisamos trocar de van para uma que tivesse permissão de estacionar nas proximidades da igreja. Esta acabou sendo bem menor que a que tínhamos antes, então fomos até lá meio apertados. Ela também tinha placas palestinas, ao invés de israelenses, que parece que é o que era importante...

Na época de Jesus, Belém era uma pequena vila com uns 200 ou 300 habitantes que viviam primariamente em cavernas; aparentemente isso era comum fora das "grandes cidades", nem todo mundo construía a sua casa. Assim, o local do nascimento de Jesus é uma pequena gruta, que era usada para guardar os animais mas que de maneira alguma se assemelha a um estábulo; ela é totalmente subterrânea. Aliás, não consigo mais olhar para presépios sem pensar em quão imprecisos historicamente eles são...

Acima da tal gruta existe uma igreja que é, claro, a Igreja da Natividade. Ela é uma igreja ortodoxa russa que tem a peculiaridade de ter uma porta de entrada de mais ou menos 1 metro e meio de altura por um metro de largura. Parece que o motivo disso é tentar esconder de alguns invasores o fato de que ali havia uma igreja, na época em que invasores costumavam destruir templos rotineiramente.

Se alguém que estiver lendo já visitou os Sete Povos das Missões, bom, essa igreja por dentro parece com o que a igreja principal se pareceria se fosse reconstruída. Ou seja, bastante simples, sem bancos (exceto algumas cadeiras próximas ao altar), sem pintura, sem teto (com telhado, mas nada abaixo dele) etc. No chão havia uma área em que se podia ver o que sobrou do piso original dela, um mosaico de pedrinhas formando desenhos; sobrou muito pouco dele.

E ao lado do altar há uma pequena porta que leva a uma escada para o nível de baixo, que é a gruta do nascimento. Lá há uma estrela dourada no chão marcando o ponto exato do nascimento de Cristo (não, eu não sei como eles sabem isso) e, atrás de uma grade, a manjedoura onde ele foi colocado depois de nascer. A gruta tem a forma de L, a perna maior tem uns 5 metros de comprimento e a menor uns três, e é toda escavada diretamente na rocha; o teto é alto, uns três metros no maior ponto. Local muito concorrido, também.

Saindo da gruta, uma porta na lateral da igreja leva diretamente a outra igreja, essa católica e bastante moderna, tudo lá dentro parece novinho em folha; ela foi toda reformada para as festas do final de ano. Essa, sim, se parecia exatamente como a maior parte das igrejas que conheço.

Depois deste passeio andamos um pouco mais pela cidade, que não é muito bonita; tudo ali parece empoeirado, a impressão olhando de longe é que está tudo em obras, mas na verdade o lugar é daquele jeito mesmo. Paramos para compras de souvenirs em uma loja (que tinha um pinheirinho de Natal!), trocamos de van de novo e começamos o trajeto de volta...

Passamos de novo pelo meio de Jerusalém, e vimos a residência do Primeiro Ministro. Muito bem guardada, e com manifestantes na frente protestando contra as negociações de paz com a Síria (com cartazes em inglês para o benefício da mídia).

O trajeto de volta, com todo mundo cansado, foi bem mais silencioso; nada mais de muito interessante aconteceu.

À noite fui novamente ao cinema, assistir "Mickey Blue Eyes", e depois jantei um falafel enorme em um restaurante próximo ao cinema. De sobremesa, um milk shake de morango caríssimo mas muito bom, um dos melhores que já experimentei.

No próximo episódio: contagem regressiva para o ano 2000.

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